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Autor Mateus Antoni

Prestes a embarcar para a Bienal da Bahia, o autor Mateus Ântoni fala sobre seu processo criativo e expectativas para o futuro.

O autor Mateus Ântoni está com as malas prontas para participar da Bienal da Bahia, que se inicia no próximo dia 26 de abril, seguindo até o feriado de 1 de maio. Por lá, ele apresenta ao público seu novo romance, “,amor,”, publicado pela Editora Viseu.

Porém, antes de embarcar para a capital baiana, Mateus nos recebeu para uma entrevista, na qual compartilha suas expectativas e aspirações enquanto autor emergente no cenário literário. 

Assim, ele discute a influência da pandemia de Covid-19 na concepção da obra e como a experiência pessoal de isolamento moldou a narrativa do romance. Mateus Ântoni oferece uma janela para o seu mundo interior, revelando como sua origem em Retirolândia, uma cidade do interior da Bahia, contribuiu para sua escrita e formação como escritor. 

Dessa maneira, nesta entrevista, o leitor vai conferir um destaque não apenas para o impacto emocional e criativo da pandemia em seu trabalho, mas também a capacidade do autor de explorar temas universais de amor e conexão humana em tempos de crise.

1 – Você está indo para a Bienal do Livro da Bahia, essa é a sua primeira vez como autor em um grande evento literário. Quais são as suas expectativas?

Mateus Ântoni: Minha participação na Bienal me é importante de mais de uma maneira. Primeiro, pelo evento me poder servir como uma plataforma para me inteirar melhor da lógica e me inserir no mercado literário, já que lá as maiores potências editoriais e muitos dos nossos grandes autores contemporâneos estarão reunidos. 

Para se ter uma ideia, no ano passado o evento recebeu mais de 90 mil visitantes, batendo recorde em um só dia, quando 20 mil pessoas circularam pelos estandes, ou seja, é realmente uma reunião de pessoas motivadas a conhecer e experimentar o que de novo e interessante está sendo pensado, produzido e escrito no campo da literatura e das artes baianas. 

O tema desta edição de 2024 é “As Histórias que a Bahia Conta”, celebrando, assim, a contribuição que a Bahia dá para o Brasil e para o mundo.

Em segundo lugar, há também a importância simbólica dessa minha participação. Assim como a Bahia foi o lugar onde o Brasil começou, a Bahia é igualmente o canto do universo onde eu nasci e me tornei gente. 

Sou do interior sisaleiro, de Retirolândia, e cresci com visitas constantes à capital, Salvador, portanto, fui me formando nesse meio caminho entre raízes propriamente sertanejas e frutos soteropolitanos.

Assim, falando um pouco do que eu espero com minha participação nesse evento, tenha a esperança de encontrar parceiros e parceiras para trilharmos juntos esse caminho pela literatura, conhecendo-os e também às suas obras, de estabelecer contato com figuras de referência no campo atual da produção e da divulgação literária, e também de poder apresentar minha obra, , amor, (Viseu, 2024), e comercializá-la para um público mais amplo, diverso.

2 – Vamos falar um pouco do seu novo livro. O que o inspirou a escrever o livro “,amor,”?

Mateus Ântoni: O que me inspirou a escrevê-lo foi o comentário de uma amiga nas linhas de “imagine o azar de se apaixonar por alguém logo durante a pandemia” junto à imagem, persistentemente imaginada, de dois jovens perambulando durante a madrugada por uma cidade vazia, esvaziada justamente devido à pandemia de Covid-19, o que, mais adiante, veio a tornar-se o capítulo VIII, “Ver a face de Eros”.  

3 – Por que o título está entre vírgulas?

Mateus Ântoni: O título não é mera estilização, vai além de um elemento estético; comunica, pois, qual o amor possível de ser vivenciado em um tempo de isolamento, de sufocamento, de interrupção. Contudo, para além dessas pistas cabe ao leitor significar o título da obra em sua experiência de leitura do livro.  

4 – Nos conte um pouco mais sobre o lugar de onde você é e como ele contribui para a escrita desse livro ou para sua formação como autor?

Mateus Ântoni: Retirolândia é uma cidade do interior semiárido da Bahia, do Território do Sisal, na região do Nordeste, a aproximadamente 230 km da capital Salvador. 

É um município pacato, sossegado, inaugurado como lugar de pouso para retirantes, e mais novo do que muitos dos seus moradores de longa data, de pequenas dimensões, com indicadores socioeconômicos modestos e uma população miúda, mas que, no meu coração e no sonho do seu povo, é enorme, povoado por gente corajosa e cheio de potencial. 

Penso que minhas vivências em Retirolândia contribuíram para a escrita desse livro na medida em que uma das protagonistas, Maria, é também proveniente de uma cidade do interior semiárido da Bahia, do Território do Sisal, na região do Nordeste, e, tal como eu, uns amigos e muitos conhecido.

Maria experimentou ou ainda experimenta o desejo de sair do seu canto para conhecer o mundo, bem como se vê conflito entre ficar no mundo ou retornar ao cantinho. A depender da experiência, a cidade natal e a capital, ou qualquer metrópole, podem realmente constituir dois mundos à parte um do outro, cada um com suas próprias cores e sabores. 

No tocante à minha formação como autor, penso que a minha vivência na cidade foi mais importante do que a cidade em si, contudo, certamente ser um retirolandense marcou-me como pessoa e, portanto, como escritor; penso que isso aconteceu conforme eu pude, por mim mesmo, perceber a maneira como, às vezes, a grandeza inteira do mundo, e toda sorte de pessoas, à maneira de um microcosmo, podem estar contidos em uma cidade interiorana pequena de nome curioso.

 

5 – Como a sua experiência pessoal se reflete nos temas abordados no livro?

Mateus Ântoni: Assim como João e Maria, o período da pandemia representou um período terrível de inseguranças para mim. 

Insegurança com o meu futuro, sim, mas, ainda pior, com o meu presente; eu temi perder as pessoas que amava, principalmente meus familiares, e minha avó mais do que todos (a última viva dos pais dos meus pais e a única que eu conheci a fundo). E, tal como Maria, eu me perguntava como todo esse processo afetaria a espécie humana e as sociedades que fazemos uns com os outros.  

Para ser mais específico, tem o fato de, tal como eles, eu ter viajado às vésperas da pandemia, e, cá entre nós, ter sido atingido pela seta do Cupido nessa viagem; mas, ao contrário deles, o flerte não vingou. Além disso, temas como “paixão”, “amor”, “egoísmo”, “cooperação”, “solidariedade social”, “ética”, “ciência” e “política” me são caros; reflito sobre eles constantemente, tanto por inclinação filosófica, tanto por ofício enquanto estudante de Psicologia.  

6 – Pode nos contar um pouco sobre o processo criativo por trás deste livro?

Mateus Ântoni:“, amor,” foi escrito em uma febre apaixonada ao som de Tom Jobim, Cícero e Vivaldi. João e Maria, como desdobramento de mim e dos outros em mim, vieram à existência como confidentes e, também, opositores. 

Eles alargaram a minha própria vivência da pandemia, e me levaram a lugares da minha alma e dos meus pensamentos que eu não estava tão disposto a ir. Mas, acima de tudo, vieram a mim como faróis de esperança em si mesmos para o período que estávamos passando; não é à toa, afinal, a dedicatória do livro é para a juventude brasileira. 

Eu acordava, tomava café e escrevia um dia de cada vez. Contudo, ao contrário de outras experiências que já tive, de convivência intensa com as personagens e o mundo, eu sentia que apenas os visitava e deixava-os em seguida para retornar depois. Era uma sensação curiosa; como se visitasse vizinhos para um cafezinho, o que, em plena quarentena, era um grande prazer. 

Nessa experiência, porém, como sempre o é, tudo quanto eu reparei, vi, fiz ou deixei de fazer, li, ouvi, escutei e assisti vinha às ondas, na forma de mil texturas. As texturas mais atraentes, porém, estão na obra como as epígrafes de cada capítulo. 

7 – Quais foram suas principais referências criativas para escrever “,amor,”?

Mateus Ântoni: Não há uma referência originária para a obra em si, mas eu busquei o mel selvagem nutridor de artes semelhantes ou tematicamente relevantes durante o processo de escrita e revisão em fontes variadas, o que nem sempre se deu de forma intencional, e sim intuitiva, com essa espécie de radar misterioso dos artistas. 

Dentre essas fontes, li A Peste (1947), de Camus, O Amor Natural (1992), de Drummond, Notas sobre a pandemia (2020), de Yuval Noah Harari e O amanhã não está à venda (2020), de Ailton Krenak, dentre outros, bem como assisti a Trilogia Before, de Richard Linklater (1995-2013) e Contagion (2011), de Steven Soderbergh. 

8 – Existe algum trecho do livro que você gostaria de citar?

Mateus Ântoni: Sim, existe um trecho bastante significativo para mim. Ele diz assim:

“Ainda que de pouco auxílio fosse o luar filtrado pela face oscilante do mar, sabiam, mesmo submersos e de visão embaçada, que o outro estava próximo; mesmo na amplitude vivaz e inconstante do oceano, pressentiam a presença do amado, e confortavam-se, despreocupadamente cedendo ao empuxo e repuxo das águas salíferas. Nadaram até tornar-se o chão intangível aos pés; boiaram n’água como se o inteiro oceano lhes fosse berço e embalasse-os, e assim, de barriga voltada às estrelas, fitaram os céus. […] No interior do seu ouvido o marulho, de tão calmo, abafado, soava como a voz etérea, de mistério e profundidade, do búzio. 

Ao saírem do mar, embora muito do mar ainda tenha continuado neles, o sal secando a pele como se a envernizasse, deixando-a salobra e ligeiramente ressecada, não sentiram a necessidade de cobrir-se com as roupas que atiraram à areia, afinal, nenhum carro cruzava as ruas, nenhum corpo, além dos seus, vagava pela praia.

Assim, usaram-nas apenas para estendê-las como fosse canga, deitando-se sobre os tecidos amarfanhados e areentos. Sob o luar, cravejados dos minúsculos cristais do areal, seus corpos estreleciam. Belos, jovens, fulgurantes e solitários beijaram-se; eufóricos, potentes e exuberantes amaram-se. 

Adormeceram brevemente ao relento; despertaram quando já o céu assumia o tom de azul-metálico das antemanhãs. Embora a presença do sol tenha-lhes se afigurado como uma invasão ao reino encantado da noite, ao mundo do qual foram jovens rei e rainha, entre eles havia ainda a leveza dos amantes que ignoram a dor do mundo.” (, amor,, Editora Viseu, 2024, p. 139-140) 

9 – Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao escrever o livro?

Mateus Ântoni: Lidar com a angústia, o medo e o luto sem sucumbir a eles, mas fazendo, deles, arte.  

10 – Como você espera que seu livro impacte os leitores? Existe uma mensagem principal que você deseja transmitir?

Mateus Ântoni: Não há uma mensagem intencionalmente codificada nas páginas. Eu proponho minhas obras como experiências ao leitor, por mais clichê que isso possa parecer. 

O que quero, acima de tudo, é que o leitor possa viver junto às personagens a realidade de suas emoções, sentimentos e processos existenciais, permitindo-se questionar-se, olhar para si, outras pessoas e o mundo de outras perspectivas, e, talvez, repensar aquelas velhas opiniões formadas sobre tudo, questionar as manhas do jogo sujo que é jogado pelos poderosos, e enxergar o potencial revolucionário do amor entre todos os seres.  

11 – Há alguma passagem ou trecho do livro que você considere particularmente significativo?

Mateus Ântoni: Sim. O Capítulo VIII, chamado “Ver a face de Eros”, foi o mais gostoso de escrever, e ele recebeu comentários bastante positivos dos primeiros leitores. 

Penso que é também o momento em que o livro se torna mais metalinguístico, junto a um trecho do capítulo final, pois o que as personagens vivem cotidianamente em sua relação consigo, entre si e com o mundo é informal e descontraidamente elaborado por eles em teses filosóficas e sociopsicológicas em um bate-papo ameno.   

12 – Como você acredita que a Literatura pode contribuir para a vida dos leitores?

Mateus Ântoni: Acredito que a Literatura pode expandir os horizontes da alma, revelar os segredos do impossível, criar uma escada celeste até a Beleza e um portal para o Sublime, dar mais tempero à vida, ser fonte tanto de angústia quanto de sabedoria, servir de teatro de sombras ou bálsamo, véu ou espelho, e pôr o indivíduo em contato consigo da forma mais íntima, radical e transcendente possível. 

13 – Quais são seus planos futuros como escritor? Há novos projetos em desenvolvimento?

Mateus Ântoni: Por enquanto, penso em escrever ao sabor da inspiração, e explorar os gêneros e os modos de publicação. Eu escrevo mais por prazer, portanto, nem tudo quanto escrevo foi concebido para ser publicado ou tem jeito para tal. 

Atualmente estou escrevendo um romance de alta fantasia que está com a aparência de uma saga, mas tenho, à espera, tanto a finalização de um romance de mistério policial ambientado no coração da Bahia, quanto a revisão (tão laboriosa que eu finjo esquecer-me dela) de uma epopeia trágica. Porém, há alguns livros prontos engavetados, à espera de uma oportunidade; dentre eles, uma prequela do meu primeiro romance, Santíssima Mãe dos Mortos (2022).  

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