A escrita de um livro é composta por muitos elementos. Descrições de lugares e ações normalmente representam a maior parte das narrativas, mas as falas em livro podem elevar ou diminuir drasticamente a qualidade de uma obra.
A escrita de falas ou diálogos entre personagens demanda prática e conhecimento para ser dominada. Muitos autores têm grande dificuldade com esse aspecto de suas narrativas, não sabendo por onde começar para melhorar.
Pensando nisso, este artigo busca ser um guia para a escrita de falas em livros. Apresentaremos o que são as falas, como indicá-las na narrativa, os erros mais comuns e dicas para você criar diálogos mais fluidos, interessantes e verossímeis.
Fique conosco e confira como desenvolver as falas do seu livro!
Falas em livro: o que são e como escrevê-las
O que são as falas em um livro?
As falas em um livro nada mais são do que os discursos de personagens sendo reproduzidos no texto. São representações do que eles disseram ou estão dizendo, podendo ser feitas de forma indireta ou direta.
No discurso indireto, as falas são inseridas na narração, sem uma marcação indicando a mudança entre a voz do narrador e do personagem. É uma forma de apresentar falas muito utilizada na técnica do fluxo de consciência, mas pode ser um tanto confusa, principalmente em sua forma livre. Confira um exemplo, retirado de Dom Casmurro:
Minha mãe foi achá-lo à beira do poço, e intimou-lhe que vivesse. Que maluquice era aquela de parecer que ia ficar desgraçado, por causa de uma gratificação menos, e perder um emprego interino? Não, senhor, devia ser homem, pai de família, imitar a mulher e a filha…
Já no discurso direto, as falas são marcadas através de travessões ou aspas, indicando a mudança para a voz de um personagem. É a forma mais usual e conhecida de escrever diálogos. Outro exemplo de Dom Casmurro:
— Parece que vai sair o Santíssimo — disse alguém no ônibus. — Ouço um sino; é, creio que é em Santo Antônio dos Pobres. Pare, Sr. recebedor!
Como marcar falas em livro?
Como mencionado anteriormente, existem dois principais marcadores de falas: aspas e travessões.
As aspas são muito utilizadas na língua inglesa. Para indicar a fala, basta colocá-la entre as aspas. Ela pode ser seguida por um verbo de elocução, que explicam um ato oral ou indicam quem está falando (disse, falou, perguntou, murmurou etc.).
Atenção: as aspas utilizadas para marcar falas são as duplas (“), não as simples (‘).
Já o travessão (—) é o marcador de falas mais utilizado na língua portuguesa. O travessão é inserido no começo da fala. Caso a fala seja seguida por um verbo de elocução, o trecho narrativo é indicado novamente pelo travessão.
Atenção: não se deve substituir o travessão por hífen (-) ou meia-risca (–).
Muitos autores têm dúvidas sobre a pontuação das falas e verbos de elocução. Uso de ponto final, quando usar maiúsculas e aplicação correta da vírgula são alguns detalhes que podem parecer confusos.
Aqui está um pequeno guia de pontuação em falas, com exemplos retirados de diversas obras de Machado de Assis:
Como pontuar fala sem verbo de elocução ou trecho narrativo
No caso de falas diretas sem qualquer intervenção do narrador, a pontuação é a seguinte:
Travessão
— Prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias, se José Dias arranjar que eu não vá para o seminário.
Aspas
“Prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias, se José Dias arranjar que eu não vá para o seminário.”
Como pontuar fala com verbo de elocução
As frases com os verbos de elocução iniciam sempre no minúsculo, mesmo se a fala anterior terminar em exclamação, reticências ou interrogação. No caso de falas finalizadas por verbo de elocução, a pontuação é a seguinte:
Travessão
— Sim, é bonita; mas o que pergunto é se você gostaria de ser padre — explicou rindo.
Aspas
“Sim, é bonita; mas o que pergunto é se você gostaria de ser padre”, explicou rindo.
No caso de falas divididas por verbo de elocução, a pontuação é a seguinte:
Travessão
— Que tem, tem — interrompeu Capitu. — E se não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria.
Aspas
“Que tem, tem”, interrompeu Capitu. “E se não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria.”
Como pontuar fala com trecho narrativo
Os trechos narrativos, sem verbo de elocução, iniciam em maiúsculo. No caso de falas finalizadas com trecho narrativo, a pontuação é a seguinte:
Travessão
— Segue-me. — E eu segui-a, tão pajem como o outro, como se a ordem me fosse dada, deixei-me ir namorado, vibrante, cheio das primeiras auroras.
Aspas
“Segue-me.” E eu segui-a, tão pajem como o outro, como se a ordem me fosse dada, deixei-me ir namorado, vibrante, cheio das primeiras auroras.
No caso de falas divididas por trechos narrativos, a pontuação é a seguinte:
Travessão
— Ora, defuntos! — Apertou as mãos. — Ando a ver se ponho os vadios para a rua.
Aspas
“Ora, defuntos!” Apertou as mãos. “Ando a ver se ponho os vadios para a rua.”
Por que escrever falas?
As falas têm muitas funções dentro de uma narrativa. Além de dar voz aos personagens, servem para apresentar subtexto e tornar o livro fluido.
Uma fala bem construída pode trazer informações para o leitor de uma forma mais dinâmica e verossímil. É um modo de realizar uma construção de mundo mais realista, por exemplo, integrando à fala dos personagens elementos do universo de forma natural.
São recursos poderosos para um bom desenvolvimento de personagens. Através das características que coloca nas falas, você vai construindo personalidade.
Também cria relações: um diálogo entre dois personagens expõe ao leitor como se relacionam, apenas pelo jeito que conversam entre si.
Outra função das falas é dar mais ritmo à narrativa. Podem ser usados para quebrar a monotonia da narração descritiva, tornando a história mais envolvente e menos cansativa.
Também funcionam para fornecer informações que impulsionam a trama, levando a história adiante. Através dos diálogos, personagens podem fazer descobertas importantes, desencadear ações ou até mesmo ter confrontos diretos.
Por fim, através das falas, você pode explorar o seu estilo de escrita. Dependendo dos verbos de elocução e interferências narrativas, além do próprio modo de falar dos personagens, vai se criando a atmosfera e tom de sua obra.
5 erros comuns ao escrever falas em livro
Ao se aventurar pelo mundo dos diálogos, diversos autores acabam caindo em alguns erros. Aqui, listamos os 5 erros mais comuns ao escrever falas em livros, para que você consiga evitá-los!
1 – Excesso de informação
Apesar de ser um ótimo modo de apresentar informações para o leitor, as falas não devem conter informações demais, sob o risco de acabar como o temido “infodump” (quando uma obra despeja toda a informação em cima do leitor de uma só vez, de maneira rígida e inorgânica).
Monólogos extensos sobre o passado de personagens, falas muito descritivas, introduções, apresentações e despedidas são exemplos de falas excessivas. Evite escrever falas com informações que os personagens já saberiam naturalmente e não precisariam oralizar.
Uma técnica muito utilizada é a de “entrar no meio” do diálogo. Consiste em escrever como se tivesse pego um diálogo já ocorrendo, saindo antes que ele termine de fato. Assim, você mantém apenas as informações relevantes para a história.
Outra técnica muito utilizada para evitar falas com excesso de informações é o de “mostrar, não falar”. Ao invés de ter uma fala com algum personagem chamando o protagonista de sarcástico, por exemplo, prefira dar diversas falas sarcásticas ao personagem principal.
2 – Uso excessivo de gírias e expressões
Em um esforço para deixar as falas mais naturais, muitos autores se utilizam de gírias e elementos da fala coloquial. Em excesso, essa prática pode ser danosa e ter o efeito contrário em sua narrativa.
Um número elevado de gírias pode ser tão prejudicial quanto um excesso de formalidade. Falas formais demais soam falsas por serem muito engessadas; já aquelas com expressões e coloquialismos além da medida soam falsas por serem exageradas demais.
Ainda: utilizar frequentemente esses elementos pode estereotipar seus personagens, tornando-os até mesmo ofensivos. Um modo de evitar isso é colocando a auto revisão em prática, uma das maneiras de se tornar um escritor melhor.
Clichês como — Você está pensando no que eu estou pensando?; — Ele está atrás de mim, não está? e — Cala a boca e me beije! também são outros tipos de falas para se evitar.
3 – Não mudar a estrutura das falas
A estrutura das falas pode ficar maçante se você não se atentar. Evite repetir os mesmos verbos de elocução constantemente e apresentá-los sempre no mesmo local.
Quebre a fala dos personagens com indicadores, contextualizando-as na narrativa. Mas não termine sempre com “— ele disse”, opte por inserir verbos de elocução diversos e no meio das falas.
Outra opção é contextualizar o diálogo com trechos narrativos. Inserir uma ação ou descrição traz maior fluidez para o texto, além de ambientação e detalhe para a cena.
Descreva o que o personagem está fazendo, sua fisionomia e o que está acontecendo ao seu redor durante sua fala. Assim, evita a monotonia e apresenta informações relevantes para o leitor
Atenção: variar os verbos de elocução é interessante, mas fique atento para não exagerar. Muitas falas seguidas apenas por verbos de elocução diferentes, mas sem trechos narrativos ou mudanças na estrutura, dão a sua obra um ar amador.
4 – Não alternar entre os personagens
Raramente, uma pessoa está falando sozinha. Em caso de diálogos, é muito importante alternar entre as falas dos personagens.
Prefira falas curtas, crie interrupções e intercale os personagens falando, com perguntas, respostas e reações. Isso torna a interação mais verdadeira e dinâmica.
O tamanho dos diálogos também tem grande importância. Como uma ferramenta para dar ritmo à história, os diálogos não devem ser enormes. Ter uma única pessoa falando ininterruptamente é, além de cansativo, inverossímil.
Um exemplo é o típico monólogo do vilão. Nele, o personagem explica seu plano maléfico em detalhes para o herói incapacitado, ao invés de simplesmente seguir com o plano enquanto pode. Esse tipo de monólogo é irreal, monótono e vai contra os objetivos do antagonista, devendo ser evitado para a construção de vilões cativantes.
Além disso, atente-se para deixar claro quem está falando o quê. Um diálogo que não deixa claro quem está com a palavra torna a leitura confusa e abre espaço para equívocos.
5 – Ser repetitivo e óbvio
As falas não devem repetir o que já foi dito na narração. Se um personagem é narrado abrindo uma porta e logo em seguida diz — Abri a porta!, isso torna a narrativa repetitiva e o diálogo vazio.
Não exponha o subtexto de sua história nas falas, mas sim as utilize para criá-lo. Confie na capacidade de seu leitor de entender as entrelinhas, possibilitando que ele tenha sua própria interpretação.
Evite repetir falas. Se houve um diálogo com cumprimentos no início do livro, não replique a mesma estrutura em outros diálogos. Opte por apresentar outras situações como diálogo, variando a forma como seu personagem fala no decorrer da narrativa.
5 dicas para escrever falas melhores
Agora que você já sabe como evitar os erros mais comuns ao escrever falas, você está pronto para melhorar seus diálogos. Confira algumas dicas para construir falas mais verossímeis e interessantes.
1 – Ouça pessoas a sua volta
Um ótimo modo de tornar seus diálogos mais naturais é baseando-os no que você ouve em seu dia-a-dia. Observe como as pessoas falam e tente replicar isso em sua escrita.
Não preste atenção somente ao que estão falando, mas como falam. Quais palavras utilizam para expressar seus pensamentos, quais palavras ficam subentendidas na fala e como as outras pessoas respondem, fazem perguntas e se inserem no diálogo.
Atenção: a finalidade dessa prática não é transcrever uma interação completamente para o papel. Afinal, conversas na vida real estão repletas de repetições e redundâncias que não servirão de nada para sua narrativa.
Um bom exercício para praticar a escrita criativa é usar a transcrição de uma conversa para depois transformá-la em um diálogo, cortando as falas sem importância e inserindo trechos narrativos para contextualizá-las.
2 – Tenha personagens bem desenvolvidos
Personagens bem desenvolvidos não são importantes apenas para a criação de boas falas, mas para uma boa narrativa como um todo.
Ter um personagem bem construído e esquematizado é essencial para criar falas interessantes. Seu personagem deve ser único, ter uma voz própria e reações particulares.
A partir de um personagem pensado e estruturado, você pode demonstrar e expandir suas características através da fala. Elementos como sintaxe, tamanho de fala, formalidades e manias ajudam o leitor a entender quem é seu personagem, tornando-o distinto de outros.
3 – Leia seus diálogos em voz alta
Uma prática muito útil, principalmente para diálogos. Ler o que você escreveu em voz alta é uma ótima maneira de perceber erros que passam despercebidos em uma primeira revisão.
Além de perceber o que soa estranho e falso na prática, a leitura em voz alta traz à tona possíveis nuances da fala. Algumas emoções escritas só ficam claras quando oralizadas.
Se possível, peça para alguém ler seus diálogos com você. Além de um olhar de fora, você conseguirá perceber pontos engessados da fala e até mesmo novos caminhos para a cena a partir da inflexão da outra pessoa. Leitores beta e leitores alfa são ótimos candidatos para isso.
4 – Mantenha apenas o imprescindível
Essa é uma dica de extrema importância para manter o ritmo de sua narrativa. Os diálogos devem sempre servir um propósito no texto, devendo ser imprescindíveis para a construção da história.
Olhe criticamente para seus diálogos, cortando todos aqueles que não tenham uma função clara na narrativa. Falas podem ser utilizadas para construir relações, introduzir informações importantes e gerar conflitos, mas não devem apenas ocupar espaço em uma cena.
Caso esteja na dúvida se um diálogo é de fato necessário para sua obra, corte-o e releia. Teste transformar as falas em passagens narrativas e veja o que funciona melhor para a história. Se a escrita fluiu bem ou até melhor sem ele, são falas que podem ser cortadas.
5 – Insira relações opostas e conflito nas falas
Diálogos são uma ótima forma de mostrar as diferenças entre dois personagens. Explore dinâmicas interessantes e opostas em sua narrativa através deles.
Um personagem pode ser mais reservado e inseguro e ter um amigo confiante e espalhafatoso. Como seria uma conversa entre eles? As diferenças nas falas e trejeitos criam uma relação interessante de ser lida.
Demonstre os objetivos distintos de cada personagem através de suas falas. Exponha o ponto de vista de cada um e mostre como a relação entre eles vai mudando esses pensamentos. Um jeito de fazer isso é ir inserindo lentamente algumas manias de um personagem em outro conforme ficam mais próximos.
Além disso, apresentar conflitos nas falas pode trazer um senso de urgência e um ritmo acelerado para essas cenas. O diálogo vira um bate bola dinâmico e envolvente, que o leitor não consegue parar de ler.
Como você pode ver, as falas em livro são elementos de extrema importância para qualquer autor. Têm a capacidade de encantar leitores, construir mundos e apresentar personagens de maneira envolvente.
Para escrever falas com maestria, é preciso muito estudo e prática. Esperamos que, a partir dessa leitura, você consiga escrever falas mais facilmente. Utilizando essas dicas, seus diálogos com certeza se tornarão mais realistas e fluidos!
Se deseja se aprofundar ainda mais no mundo da escrita, confira nosso Manual de Desenvolvimento de Narrativas, um guia completo para a construção de sua obra.
Até o próximo conteúdo!
