O livro “Doglândia: a ilha dos cachorros falantes” narra a história de Dick, que é retirado de sua família violentamente e levado, pelo destino, para uma ilha misteriosa, onde os cachorros andam sobre duas patas e falam como humanos.
Aos poucos, o personagem principal percebe que não será fácil viver naquele novo lugar, em que cães vira-latas como Dickl são indesejados e comandados de forma autoritária por cães de raças puras. Assim, na trama ele e seus novos amigos vão viver aventuras e perigosos para conseguir seu lugar de respeito.
O livro nos remete ao clássico “Revolução dos Bichos”, de Georgel Orwell, e presta uma singela homenagem ao pastor alemão do canil da Polícia Militar de São Paulo, que ajudou a elucidar um sequestro de um garoto, em 1950.
Nesta entrevista, o autor Nei Lucas fala sobre as nuances do processo criativo do seu livro, além de suas inspirações, conquistas e dificuldades no processo de escrita. Confira!
1.O que o inspirou a escrever o livro?
Nei Lucas: Quando criança, morava em um sítio no interior de Minas Gerais e amava viver rodeado de vários animais, dentre eles, havia muitos cães. Além de toda essa interação com os bichos, o nosso principal passatempo da noite, era ouvir as estórias contadas por nossos avós ou outras pessoas mais velhas que nos cercavam.
Ao ouvir essas estórias, mesmo sem saber ler e nem escrever, eu já me imaginava criando minha própria estória. Foi assim que comecei a juntar cada acontecimento que envolvia a vida no campo junto a natureza e os animais, para que um dia eu somasse tudo e montasse um livro.
O principal fator que me fez gostar do mundo da escrita, foi sem dúvida ouvir as estorinhas contadas por aqueles contadores de causo que estavam à nossa volta.
2.Como a sua experiência pessoal se reflete nos temas abordados no livro?
Nei Lucas: Quando iniciei os meus estudos primários, eu dedicava cada minuto dentro e fora da escola para aprender a ler. Com isso, fui o primeiro na classe a conseguir esse feito. Lembro que o meu primeiro texto a ser lido em voz alta era uma fábula do Jean de La Fontaine que se chamava “A Raposa e as Uvas”.
Tão logo iniciei a leitura e já comecei a ouvir alguns comentários negativos sobre meus embaraços e tropeços por não saber ler bem, o que acabou por me chatear bastante. Começaram a me chamar por nomes que eu não gostava e ali foi a primeira vez que sofri o que chamamos hoje de bullying.
Anos depois, eu venci o bullying encarando-o de forma adequada. Eu usei essa experiência para dar mais profundidade para meus personagens. Assim, na narrativa eles encararam as dificuldades com valentia e resiliência.
Essa é uma forma com que eles possam vencer o medo, o perigo iminente, a falta de inclusão e a não aceitação.
Eu fiz questão de tratar esses temas que por mais que o tempo passe e a sociedade evolua, não poderia deixar de passar em branco e deixar a mensagem de que sonhos podem sim ser realizados e se esconder atrás dos medos para não ser julgado é sempre o pior a fazer.
3.Pode nos contar um pouco sobre o processo criativo por trás deste livro?
Nei Lucas: O tempo de criança passou e me tornei adolescente. O acesso a leitura era muito difícil, não tínhamos como desenvolver uma boa leitura já que não contava com uma biblioteca e a vontade de escrever não passava e foi aí que juntei alguns acontecimentos e rascunhei, aos quinze anos, aquele que seria meu primeiro livro. Vou lista-los aqui:
1° – Dos cachorros do sítio do meu pai e dos vizinhos, eu retirei os nomes para utilizá-los em meus personagens;
2° – Próximo a nossa casa, existia um homem que vivia sozinho e rodeado de animais e os amava muito, conversava com seus cães como se fossem humanos e brincava com eles como se ele fosse um deles. Esse foi também mais um elemento que usei na introdução do livro;
3° – Esse acontecimento que vou citar, foi o mais triste. Um dia, correu uma notícia na região que caçadores adentraram em uma propriedade particular e foram atacados pelos cães que guardavam a casa, para se defenderem dos ataques, atiraram e mataram os cães de forma cruel;
4° – E por último, ouvi de um contador de estória que havia uma gigante cachoeira nos confins do Brasil que precipitava em um cânion gigante e sumia para o interior de uma caverna. As águas iam brotar em uma nova terra que ninguém jamais soube onde era devido o medo de não conseguir voltar novamente.
De posse dessas quatro prerrogativas, eu montei o rascunho do livro “Doglândia: a ilha dos cachorros falantes” e os guardei comigo por mais quinze anos até ser totalmente escrito em 2012.
4.Quais foram suas principais referências criativas para escrever o livro?
Nei Lucas: As fábulas de Lá Fontaine e Esopo foram minhas primeiras referências. A Revolução dos Bichos”, de George Orwel me deu a ideia do falar dos animais que contextualiza uma condição distópica de onde se vive.
A personagem Baleia, do livro “Vidas Secas”, também foi importante referência como símbolo de resistência e força e dela tirei essa qualidade para criar a personagem bolinha.
Os gibis de Maurício de Souza foram de grande contribuição, até hoje gosto de ler. Chico Bento é um dos meus personagens mais queridos, justamente pela vida tranquila que levava na roça e as peripécias de menino as quais também vivi.
5.Existe algum trecho do livro que você gostaria de citar?
Nei Lucas: “Adeus, vida sofrida! Adeus, vida malvada! A paz e a alegria chegaram findando toda a maldade!”
Esse trecho reflete um momento de embevecimento por parte da cachorrada que viviam em Doglândia. Eles acreditavam veementemente no discurso que estava sendo proferido pelos governantes e tinham a certeza absoluta que agora em diante viver ali seria a epifania total.
Isso é um ideário totalmente falso, não existe caminho sem pedras, e se alguém lhe oferecer isso, no mínimo desconfie e tenha um olhar mais cauteloso.
6.Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao escrever o livro?
Nei Lucas: O maior desafio foi acreditar que a minha estória é boa, que não vai agradar a todos e está tudo certo por não agradar a todos.
Havia também o temor de a estória ser muito antiga e os jovens de hoje não darem crédito. Essas ideias caíram por terra quando se vê que podemos aprender com a experiência do primeiro e fazer do próximo melhor.
Outro grande desafio foi a questão da idade, o tempo passa rápido e quando se vê, já estamos passando dos cinquenta e por estar nessa fase achei que publicar com essa idade não era mais legal. Isso também caiu por terra, não existe idade ou tempo certo, é você que determina isso.
7.Como você espera que seu livro impacte os leitores? Existe uma mensagem principal que você deseja transmitir?
Nei Lucas: Acredito muito no poder da ação. Se queremos mudar algo, temos que partir de nós a busca objetiva com metas claras e alcançáveis. O livro “Doglândia” irá mostrar que o desconhecido pode não ser o monstro que por muitas vezes foi desenhado.
A mensagem que fica é a superação pessoal diante das diferenças que sempre irão existir, superar nossas dificuldades deve ser um desafio incansável, não para ser perfeitos, mas, para não viver na frustração de esperar que os outros mudem e os ventos soprem a nosso favor.
8.Há algum personagem ou história no livro que você considere particularmente significativo?
Nei Lucas: A Bolinha. Ela é uma cachorra vira lata abandonada à própria sorte por não ter raça definida.
Com uma valentia muito grande e muita esperteza, faz toda articulação entre lobos e os vira latas e os demais cães de raça, usando o poder de comunicação que tem para conseguir levar avante o plano de igualdade a todos os moradores da ilha.
9.Como você acredita que a Literatura pode contribuir para a vida dos leitores?
Nei Lucas: A literatura é uma ferramenta de suma importância no desenvolvimento da leitura e na escrita. Através da literatura se desenvolve o senso crítico que nos guia em todas as direções da vida.
É muito mais que uma janela que se descortina para um mundo novo, na verdade é uma porta gigantesca movida de magia que transforma e qualifica a quem faz bom uso dela.
10.Quais são seus planos futuros como escritor? Há novos projetos em desenvolvimento?
Nei Lucas: A minha pretensão é que, a partir desse lançamento, eu possa viver com exclusividade do mundo da escrita. Amo passar horas me dedicando a criar novos personagens, quero dedicar mais tempo em desenvolver outras estórias que estão no radar e publicá-la em breve.
Participar de feiras e eventos que envolvam o livro sempre foi um sonho. Um dos projetos é procurar levar essa estória a novos leitores fazendo parcerias com bibliotecas ou outros projetos de leitura já existentes por aí.