O escritor cearense Taumaturgo Lucena Torres, natural de Brejo Santo/CE, remonta em sua obra de ficção (Elos de Sangue), o cenário do Brasil Imperial entre o século XIX e XX.
Na presente entrevista com o autor, que recentemente lançou sua obra pela Editora Viseu, ele revela detalhes culturais de Minas Gerais e da Bahia, que o inspiraram a escrever um romance com enredo dinâmico, tom dramático e uma aventura que leva o leitor a conhecer aspectos culturais do Brasil de séculos anteriores.
De acordo com o autor, “O enredo Elos de Sangue retrata com fidelidade o Brasil Império e o início da república, remontando uma sociedade machista incrustada de muitos tabus e de muita violência rural à época.”
A narrativa começa nos sertões da Bahia, tendo como protagonista o vaqueiro Hudson, empregado preferido de um Coronel, senhor de terras da região, conhecido por suas maldades. Na história, Hudson foge da fazenda após o assassinato da esposa, e deixa seus filhos aos cuidados de amigos enquanto se esconde em Diamantina (MG). Após se reerguer, retorna à Bahia na intenção de reunir seus filhos, mesmo sem saber que encontrará desafios como o sequestro das crianças.
O enredo, além de aguçar a sensibilidade dos leitores com fortes emoções no combate aos preconceitos social e racial, retrata a luta permanente contra violência e na valorização da mulher que se arrasta ao longo das eras.
Entrevista exclusiva com o autor Taumaturgo Lucena Torres.
Pergunta ao autor – Quais fontes de inspiração você buscou para planejar os conflitos? Você observa a realidade a sua volta e tem insights? Ou você se inspira em enredos de outras obras?
Taumaturgo – Busquei em histórias verídicas que ouvia de pessoas da minha cidade quando criança, de quando adolescente e já na idade adulta ouvia causos verídicos do coronelismo reinante em meu estado, o Ceará e, em especial em minha cidade, Brejo Santo. Histórias de assaltos em estradas pela bandidagem reinante à época do império, de pistolagem por conflitos de terra, de defloramentos de donzelas por patrões, etc. Inspirei-me também em passagens e de livros que retratam fielmente o sertão nordestino, como Menino do Engenho (Euclides da Cunha), Auto da Compadecida (Ariano Suassuna), Vidas Secas (Graciliano Ramos), dentre outras obras.
Pergunta ao autor – Quais razões levaram você a escolher um tema tão desesperador para construir sua trama, como sequestro e feminicídio?
Taumaturgo – O livro não foi moldado somente na tragédia original, muitas histórias fantásticas, lúdicas, impudicas, amores castos eivadas de mistérios surgiram ao longo de 861 páginas de paisagens deslumbrantes, de conhecimento em arte, história, geografia, geologia, direito, mineralogia e, com personagens espetaculares que engrandecem o romance.
Pergunta ao autor – De todos os personagens mencionados no livro, algum deles tem certa similaridade com você em termos de personalidade?
Taumaturgo – Sim, existe um pouco de similaridade entre mim e cada um dos personagens. Em alguns deles baseei-me na formação que moldou minha educação rígida, advogada pelos meus pais, com valores éticos e morais. Cada personagem foi desenvolvido com a imagem e semelhança de poucos amigos.
Pergunta ao autor – A obra visa passar uma mensagem específica ou você se comprometeu apenas em entregar uma aventura incrível aos amantes de ficção e aventura?
Taumaturgo – Desde o início da obra se procurou transmitir ao leitor uma mensagem de fortes emoções sentimentais, de cunho social, espiritual e educacional em que se buscou a igualdade social, de gêneros e de raças. Evidentemente que a ficção e os “causos” ali contidos fazem parte de passagens lúdicas e históricas, contudo, as mazelas apresentadas espelham a realidade do cotidiano diferenciado em muitas regiões apartadas por barreiras sociais e de raça em nosso país.
Pergunta ao autor – O quanto você estudou sobre o Brasil imperial dos séculos XIX e XX para desenvolver o cenário da narrativa ao leitor?
Taumaturgo – As aventuras da obra ocorrem em vários cenários, com mais destaques na região da Bahia (Ilhéus) e na região de Minas Gerais (Diamantina), retratando as belezas dos lugares, sem desmerecer os cenários em que a obra também se encerra, como a encantadora Petrópolis no Rio de Janeiro. Alguns cenários na Bahia e Petrópolis foram frutos da imaginação espelhado em alguns livros de Jorge Amado. Já os cenários do conjunto paisagístico de Diamantina remonta a época em que labutei profissionalmente na área de mapeamento geológico nas planícies, serras, córregos e o Rio Jequitinhonha.
Pergunta ao autor – O que mudou em sua vida após ter mãos o livro que é fruto de uma longa jornada de escrita que resultou em uma obra com mais de 800 páginas?
Taumaturgo – Esperança! Sinto-me otimista e renovado, no sentido de que a obra seja lida por inúmeras pessoas amantes da leitura e pelos olhos dos críticos literários. É a oportunidade de se acreditar naquilo que foi realizado com bastante pesquisa e esmero. O livro tem potencial para se tornar um best-seller, isto não é fruto de minha imaginação, mas da unanimidade dos que tiveram a oportunidade de lê-lo.
Pergunta ao autor – No decorrer do seu processo criativo, houve ideias que você não utilizou e que planeja utilizá-las para escrever outro livro?
Taumaturgo – Sim, já estou em fase de conclusão do segundo romance baseado em “fatos reais” ocorridos em muitas cidades pequenas do interior nordestino, mas que somente será lançado depois do sucesso de Elos de Sangue.
Pergunta ao autor – Como costumavam acontecer os seus momentos criativos? Você apenas sentava e deixava as palavras fluírem, ou esperava por algum tipo de inspiração ou sentimento criativo?
Taumaturgo – Às vezes a inspiração chegava em momentos de descanso da labuta diária, mas na maioria das vezes, os momentos criativos fluíam quando ao escrever sentado diante do computador, as ideias surgiam e faziam brotar novos cenários, fatos novos, e a história se desenrolava diante do sentimento criativo que exsurge como se fosse um encanto, que mais parecia coisa transcendental, que ultrapassa os limites do convencional.
Pergunta ao autor – Vimos nas últimas décadas uma série de Best-sellers internacionais sendo traduzidos e vendidos no Brasil. Essas obras que se consagraram com o tempo muitas vezes competem com produções nacionais do mesmo gênero literário. Na sua visão, como você avalia o cenário literário no Brasil em relação às obras de ficção?
Taumaturgo – Vejo esse momento com muita preocupação, uma nação em que a educação de qualidade não é tratada com o devido zelo, afeta sobremaneira toda a cadeia produtiva do país e a cultura do seu povo, já que a educação é mola mestra de tudo em qualquer nação civilizada. Obras de autores internacionais têm a facilidade e o incentivo das instituições governamentais e até da iniciativa privada com espontaneidade para produzir suas obras, o que facilita a entrada de novos talentos. No Brasil, muitos desistem no primeiro livro e muitos abdicam de lançar sua obra por falta de incentivo do governo. Ultimamente tive a oportunidade de ler vários best-seller de autores estrangeiros como, Os Pilares da Terra de KenFollett e Entre o Amor e a Paixão de Lesley Pearse, dentre outros que venderam milhões de exemplares, pelo qual que se apegaram a cenários bonitos, porém pobres em citações literárias. Apegaram-se a detalhes pequenos, pobres em pesquisa cultural e científica, cuja gramática se mostra muito aquém do cabedal de um bom livro de autores brasileiros.
Pergunta ao autor – Conhecer o público-alvo é muito importante antes de escrever um livro, pois precisamos entender o que de fato desperta o interesse das pessoas. Você passou por algum processo de estudo do seu público-alvo, ou apenas decidiu escrever sua ficção e entregá-la aos leitores apaixonados por este gênero?
Taumaturgo – Como emergente saído do casulo do meio literário, em se tratando do gênero de obra ficção, posso afirmar não ser conhecedor do mercado literário, simplesmente como autor me vi investido no enredo, acreditando que o conhecimento do público-alvo seria uma etapa posterior, ou seja, quando depois do lançamento da obra, como diz o ditado, nunca é tarde para ser feliz. E em se tratando de obra do gênero romance ficção, sempre terá o seu público cativo, que supera os outros gêneros, acredito que não só no Brasil, mas em toda parte do planeta, isso é intuição minha, haja vista que, não possuo dados estatísticos para a tal, no entanto, me baseei unicamente em escritores famosos de todo o mundo que se destacaram mais facilmente com o gênero.
Pergunta ao autor – Neste momento, suas palavras podem estar sendo lidas por outras pessoas que anseiam escrever suas obras de ficção e compartilhá-las com o mundo. Diante da sua jornada de erros e acertos, qual conselho você deixa para esses novos autores que futuramente terão que passar por cada etapa editorial que você precisou passar?
Taumaturgo – Meu conselho é que vença os desafios e os seus medos, que acredite no seu potencial, em sua capacidade, não tenha medo da crítica e do desconhecido e que faça dos seus desafios e de seus medos o ronco da sua perseverança. Faça como rio largo e volumoso, que antes de entrar no mar, treme de medo, pois ao olhar para trás, reflete toda a jornada que percorreu, imagina os cumes, as montanhas, e o longo caminho sinuoso e reto que cursou, varando desertos, florestas, geleiras, cidades e povoados, para finalmente ao chegar ao seu destino final, na sua derradeira etapa de vida, refrear, olhando o delta formado à sua frente, com bancos enormes de areia e como a rogar que empate a sua entrada no mundo desconhecido à sua frente. Rio que treme de medo ao se deparar com o vasto oceano e, que ao entrar nesse vasto mundo desconhecido, luta, ruge, se alarga e muda de cor, pois sabe ele que irá desaparecer diante daquela imensidão para sempre. No entanto, não há outra alternativa, o rio não pode retornar. Ninguém pode voltar no tempo. A volta no tempo é impossível na existência, o rio precisa se arriscar e entrar no mundo desconhecido marinho e somente quando ele entrar no mundo vasto do oceano é que o medo desaparece, porque apenas ele, o rio, saberá que não se trata de desaparecer no imenso mundo das águas salgadas, mas tornar-se parte dele, mudando de cor, de temperatura e de sabor, assim é o final de seu livro, seja mais um a fazer parte do vasto oceano da literatura.