Os contos são um dos gêneros literários que mais permitem possibilidades e experimentações. Consistem em uma história mais breve, com poucas páginas, mas com o mesmo potencial emocional e narrativo de qualquer romance volumoso.
Existem diversos tipos de contos, todos com suas especificidades. Um dos mais emblemáticos é o conto psicológico. Com grande capacidade reflexiva e subjetiva, é um dos tipos mais impactantes, mas também mais difíceis de dominar.
Embora tenha escritores de grande nome, como Clarice Lispector e Machado de Assis, poucos autores conhecem esse estilo de narrativa e menos ainda se aventuram em sua escrita. Pensando nisso, apresentamos aqui o que é o conto psicológico, suas principais características e exemplos, com dicas para você desenvolver o seu.
Fique com a gente e confira!
Conto psicológico: características, exemplos e como escrever
O que é o conto psicológico?
Conto psicológico é um tipo de conto literário que foca profundamente nos pensamentos, emoções e estados mentais de seus personagens.
Diferente dos contos tradicionais, em que o conflito vem de ações e eventos externos, o conto psicológico explora a complexidade interna, fazendo disso a base de sua narrativa. Tudo é apresentado ao leitor a partir de um ponto de vista.
Pautado nas lembranças e memórias dos agentes da trama, esse conto segue uma estrutura temporal não-linear. O espaço físico no qual a história acontece também é marcado pela subjetividade de seus personagens.
Essa narrativa oferece uma visão íntima e detalhada da mente humana, tornando-se um meio eficaz de explorar temas existenciais e complexos. Convida o leitor à reflexão aprofundada, em conjunto com seu protagonista.
Principais características do conto psicológico
Esse estilo de escrita conta com algumas características principais, que a definem e diferenciam de outros contos mais comuns. Aqui estão elas:
Tempo psicológico
Uma das principais características desse tipo de conto é o uso do tempo psicológico. Consiste em narrar os fatos de acordo com as memórias dos personagens, seguindo seu tempo individual ao invés de um tempo cronológico.
Assim, a narrativa torna-se menos linear e mais subjetiva, guiada por sentimentos e emoções ao invés de acontecimentos sucessivos. Isso também influencia o ritmo e o modo como as coisas acontecem no presente da história.
A passagem do tempo é particular: quando fazemos algo de que gostamos, o tempo parece passar mais rápido do que quando estamos presos a uma atividade que não nos agrada, por exemplo. O uso dessas diferentes perspectivas temporais é uma das principais características encontradas nesse tipo de conto.
Foco na interioridade
O aprofundamento em diferentes estados mentais e seus impactos na percepção de mundo configuram os principais elementos de um conto psicológico. Afinal, o enredo se desenrola no interior da mente, não nos eventos e ações que ocorrem fora da cabeça do protagonista.
O autor mergulha no psicológico, revelando a consciência através de lembranças, emoções e motivações. Esse foco permite conhecer a fundo angústias, desejos e dilemas pessoais, oferecendo uma representação rica e complexa da experiência humana.
Além disso, essa interioridade em evidência cria uma conexão emocional intensa entre o leitor e a história. Ao compartilhar os pensamentos mais íntimos e vulneráveis dos personagens, o autor cria uma narrativa pessoal e introspectiva, características marcantes nessas curtas narrativas.
Narrador personagem ou narrador onisciente
O uso de um narrador em primeira pessoa ou de um narrador onisciente é norma para contos nessa categoria. Esses tipos de narradores permitem uma visão detalhada e aproximada dos pensamentos dos personagens.
Para um conto psicológico, normalmente prefere-se o uso do narrador personagem, em primeira pessoa. Isso torna a leitura mais íntima e próxima, ainda que limitada, como se de fato o leitor estivesse dentro da cabeça do protagonista, sentindo e pensando junto com ele.
Já um narrador onisciente pode oferecer uma perspectiva mais ampla, mergulhando nas mentes de vários sujeitos da narrativa. É usado quando se quer explorar diversas subjetividades e pontos de vista, mas oferece menos proximidade e intimidade, por ser na terceira pessoa.
Temática existencial e reflexiva
O conto psicológico enfatiza os conflitos internos, tomando-os como forças motoras da narrativa. Isso inclui dilemas morais, crises de identidade, medos, traumas e outros aspectos da psique humana.
Esses conflitos são apresentados de forma a desafiar tanto os personagens quanto os leitores a pensarem sobre questões profundas e muitas vezes desconfortáveis. Por meio dessa introspecção, são explorados temas universais, como morte, amor e solidão, através de uma narrativa extremamente particular e subjetiva.
Temáticas existenciais, filosóficas e sociais também são levantadas nesses contos de maneira complexa e multifacetada. Assim, muitas perguntas são feitas e poucas são respondidas, deixando espaço para que o leitor faça sua própria reflexão.
Linguagem detalhada e figurativa
A linguagem utilizada em contos psicológicos é rica, detalhada e simbólica. Proporciona descrições minuciosas e descritivas não só dos sentimentos dos personagens, mas também de como sua percepção do presente é afetada por eles.
As descrições detalhadas transmitem a intensidade das emoções e a complexidade dos estados mentais. Essa atenção aos detalhes torna as nuances das experiências internas do protagonista mais claras ao leitor, enriquecendo a caracterização e a profundidade emocional da narrativa.
O uso de linguagem figurativa também é essencial nesse tipo de conto. Indo além de uma escolha estilística, metáforas, ironias, sinestesias e hipérboles capturam de maneira ainda mais subjetiva o estado mental dos personagens. Transmitem os sentimentos retratados de forma mais íntima e, ao mesmo tempo, artística.
Exemplos de autores de conto psicológico
Para ter uma maior noção de como essas características são aplicadas em narrativas, separamos alguns dos nomes mais expoentes dentro desse tipo de conto. Confira:
- Clarice Lispector: uma das escritoras mais marcantes da literatura mundial, é conhecida por explorar o psicológico de seus personagens em suas histórias, sendo a maior representante desse tipo de narrativa no Brasil. Alguns de seus contos são Bonecos de barro, Mineirinho e Perdoando Deus.
- Machado de Assis: o grande nome do realismo brasileiro também escrevia contos, além de seus romances. Em suas obras, adentra nos pensamentos de seus personagens e se utiliza muito da ironia. Alguns de seus contos que possuem essas características são O espelho, Um homem célebre e A carteira.
- Virginia Woolf: a escritora britânica é conhecida por mergulhar com maestria nos estados mentais de seus personagens, utilizando-se muito do fluxo de consciência. Alguns de seus contos são A marca na parede, O vestido novo e Mrs. Dalloway em Bond Street, que originou o seu mais conhecido romance, Mrs. Dalloway.
Como escrever um conto psicológico?
Agora que você já sabe o que é o conto psicológico, quais são suas principais características e os maiores nomes desse tipo de narrativa, deve estar ansiando por escrever seu próprio. Confira aqui algumas dicas para ajudar você a desenvolver um conto desse estilo com maestria:
Desenvolva personagens complexos
O primeiro passo para escrever esse tipo de narrativa é criar personalidades complexas com uma vida interior rica. Os personagens e o que acontece dentro de suas mentes são o ponto principal do conto, portanto, devem ser interessantes e bem desenvolvidos.
Crie uma ficha de personagem detalhada, com motivações, medos, desejos e inseguranças. Dê a cada um deles uma história que influencie e justifique essas características. Não esqueça de adicionar um conflito interno que faça sentido para seu protagonista e possa ser explorado no decorrer do conto.
Você encontra um modelo editável de ficha de personagem em nosso Guia Definitivo de Como Criar um Personagem. Utilize-o para estruturar e desenvolver um perfil completo para sua história!
Escolha bem seu tipo de narração
A escolha do ponto de vista narrativo afeta profundamente a forma como a história é percebida e experimentada pelo leitor. Escolha um tipo de narrador que permita explorar a psique da melhor maneira para seu conto.
Você pode escolher entre um narrador personagem e um narrador onisciente. O narrador personagem permite uma imersão total na mente do protagonista, por ser em primeira pessoa, mas não possibilita explorar a mente de outros agentes da trama.
O narrador onisciente é em terceira pessoa, o que pode distanciar o leitor, mas permite explorar as motivações e conflitos internos de vários indivíduos, criando uma rede complexa de pensamentos e emoções interligados
Em ambos os casos, o narrador deve estar sempre conectado à consciência de um personagem, tendo como objetivo inserir o leitor nessa mente e guiá-lo por sentimentos, memórias e sensações durante a narrativa.
Use o fluxo de consciência
A técnica do fluxo de consciência pode ser de grande ajuda na escrita de um conto psicológico. Através dela, você consegue ir fundo nos processos mentais, representando pensamentos de um modo mais cru e verdadeiro.
Para treinar esse recurso de escrita, coloque 10 minutos no cronômetro e comece a escrever seus próprios pensamentos e sensações. Transfira para o papel tudo o que vier à mente da maneira que vier, sem se preocupar com a qualidade da escrita, erros ortográficos ou até mesmo coesão.
Com esse exercício, você terá um material bruto com o qual trabalhar, a partir de seus próprios sentimentos e raciocínio. Releia o que escreveu, em busca de qualquer coisa que chame sua atenção e possa ser desenvolvido em um personagem ou narrativa.
Use o externo para potencializar o interno
Nesses tipos de narrativas, o interior é sempre o centro, mas elementos externos ainda são necessários para contextualizar sua história. Utilize cenários, diálogos e ações para provocar ou representar o conflito interno de seu conto.
Experimente inserir elementos banais e corriqueiros para despertar dilemas, através de sensações e lembranças. Você pode colocar seu protagonista em um ônibus, por exemplo, e fazer passar por ele uma pessoa com um perfume que o lembra de alguém amado, despertando uma lembrança que o faz mergulhar em seus próprios pensamentos e reflexões.
O externo também pode servir como representação para o que se está vivendo internamente. Expresse os sentimentos de uma maneira mais subjetiva, pessoal e sensível, fazendo comparações e paralelos entre essas emoções e os cenários ou ações externas.
É importante mostrar, não apenas contar, o que o personagem está sentindo. Detalhes sensoriais, metáforas e outras figuras de linguagem ajudam a expressar estados emocionais complexos de uma maneira mais interessante e impactante para o leitor.
Brinque com a estrutura e temporalidade
Tendo o tempo psicológico como uma de suas principais características, esse tipo de conto celebra experimentações com estrutura e temporalidade. Apresente sua história de um modo não linear, seguindo os sentimentos e memórias de seu protagonista.
Represente a passagem do tempo de modo pessoal, variando o ritmo da história e a ordem dos acontecimentos de acordo com o que o personagem se lembra. Foque mais no que ele sentiu naquele momento do que no momento em si, apresentando cenas de acordo com seu estado emocional.
Você pode utilizar essa não linearidade e mudanças na perspectiva de passagem do tempo para fazer uma revelação ao final, por exemplo, mostrando que o que o leitor pensou passar em anos aconteceu em minutos. São muitas as possibilidades que esse tipo de escrita traz!
O conto psicológico é realmente fascinante. Oferece uma visão profunda da mente humana em um número limitado de palavras, tornando a leitura uma experiência rápida, mas extremamente pessoal e introspectiva.
Com características como tempo psicológico, linguagem detalhada e figurativa e temática existencial, esse tipo de conto demanda estudo e prática para ser dominado. Seguindo nossas dicas, com certeza escrever uma narrativa com esses atributos se tornará mais fácil.
Esperamos que, a partir deste artigo, você se sinta inspirado para seguir os passos de autores como Clarice Lispector e Machado de Assis e se aventurar na escrita do seu próprio conto. Está sem ideias para iniciar sua narrativa? Confira aqui 30 ideias para começar a escrever sua história!
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