Como duas pessoas se tornam autoras?
“Escrever é a minha forma de manifesto”, afirma Nat Sudan, uma das vozes por trás de Rabiscos e Retalhos, obra escrita em coautoria com Zee Melo e publicada pela Editora Viseu. O livro, nascido de rascunhos íntimos, revela um amadurecimento literário que costura sentimentos universais: a solidão, a tristeza, o reencontro e a coragem de ser.
Mais do que uma coletânea de poemas, Rabiscos e Retalhos é o reflexo de duas trajetórias que se entrelaçam desde os 13 anos e seguem costurando versos que ditam sobre crescer, perder-se e reencontrar-se nas palavras.
Da amizade à literatura
“Seguimos caminhos bem diferentes como pessoas, mas trajetórias em comum como autoras”, conta Nat. Foi na adolescência, entre bilhetes e cartas trocadas em ambiente escolar, que Nat e Zee descobriram que escrever poderia ser mais do que passatempo — poderia ser uma forma de existir.
Os anos se passaram, as cartas reduziram de tamanho até desaparecer. A escrita ficou tímida, esporádica e individual; escreviam apenas para si mesmas. Elas se redescobriram como escritoras em anos recentes, criando sua segunda obra a partir de uma colaboração harmônica.
A vida como matéria-prima
Quando perguntadas sobre a inspiração por trás do livro, a resposta vem simples e direta: “A vida”.
Nat vê na escrita a chance de registrar o efêmero — eternizando instantes e emoções com a precisão de quem observa o mundo como cientista e poeta. Já Zee, apaixonada por contar histórias, encontrou refúgio durante sua formação no mundo de tecnologia e matemática nas palavras. “Antropologia, filosofia, literatura… Todo o lado de humanas nos permite existir como parte de algo maior.”
“Aprendemos que a vida só é possível em colaboração”, afirmam. E é justamente essa colaboração que faz de Rabiscos e Retalhos um convite à simplicidade: versos suaves, honestos, tecidos com a naturalidade de quem já compreendeu que o extraordinário mora no cotidiano.
Duas vozes, um mesmo olhar
A estrutura do livro nasce da soma de duas perspectivas — dois modos de ver e sentir o mundo.
“Mesmo criadas e amadurecidas separadamente, nossas percepções se conectam de maneira natural”, explicam as autoras. “Os próprios eventos descritos eram, em alguns casos, semelhantes. A vida convergindo para seu caminho em comum, traçando a universalidade de algumas experiências e sentimentos.”
Essa convergência é o fio que costura o livro: cada poema é um espelho das emoções que unem as autoras, mostrando que a literatura pode ser tanto um espaço de encontro quanto de espelhamento.
O processo criativo: entre sintonia e paciência
O processo de criação foi, segundo elas, tão intenso quanto prazeroso. “Foi surpreendentemente fácil encontrar a direção que queríamos seguir”, diz Nat.
Os poemas foram escritos individualmente e depois unidos aos pares, combinando temáticas afins. O resultado é um diálogo poético onde uma voz complementa a outra.
A identidade visual do livro exigiu mais discussões — mas, como em todo trabalho artístico conjunto, a paciência e a comunicação foram fundamentais. “Muita tentativa e erro, e um aprendizado constante”, relatam.
Inspirações que atravessam fronteiras
O repertório literário das autoras é vasto e plural.
Nat traz referências brasileiras como Clarice Lispector, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Cecília Meireles — nomes que influenciaram o tom modernista e introspectivo da obra.
Zee, por sua vez, incorpora vozes internacionais como Mary Oliver, Langston Hughes e Franz Kafka, adicionando ao livro uma mistura entre sensibilidade e inquietação filosófica.
Vozes que ecoam
Dois trechos revelam a essência de Rabiscos e Retalhos:
“Tenho alguma coragem de ser.
Obviamente, uma coragem incompleta,
Pois não sou tudo;
Sou apenas um pouco.” — Nat Sudan
“A maldição do artista é ser masoquista,
A dor do poeta é se encontrar apenas
Em solidão e metáforas.” — Zee Melo
Essas linhas resumem o coração do livro: o desejo de compreender-se e o desafio de transformar fragilidade em força criativa.
Os desafios de se expor ao mundo
Para Nat e Zee, o maior obstáculo não foi escrever — foi permitir que outros lessem.
“Se abrir com sinceridade e expor sua fragilidade é difícil”, reconhecem. “Renunciar à privacidade para compartilhar pensamentos é inicialmente doloroso, mas se torna, pouco a pouco, libertador.”
Outro desafio foi lidar com o tempo: revisitar textos antigos exigiu aceitar as versões anteriores de si mesmas. “Foi um processo de reflexão, aceitação e crescimento.”
Literatura como espelho e abrigo
A esperança das autoras é que o leitor se reconheça nos textos. “O livro é um convite para fazer parte dessa nossa obra colaborativa, para comparar e contrastar nossos pensamentos com os teus”, dizem.
“A literatura cura um pouco”, reflete Zee. “Passa a sensação de acolhimento por palavras ditas por desconhecidos, os quais, curiosamente, se parecem conosco.”
Nat completa: “Sinto alívio em não ser única em todos os sentidos e carregar uma essência puramente humana.”
Além das páginas
As fontes de criatividade das autoras são múltiplas: pessoas, música, biologia, arte, jogos, histórias. Tudo o que vibra e respira vira matéria de poesia.
A literatura é para ambas uma forma de existir. “Ela exige fluidez”, dizem. “É um exercício de reflexão, empatia e cuidado.”
O que vem depois dos rabiscos
Nat afirma que pretende continuar no mundo da literatura — “Escrever é a minha forma de manifesto. Não acho que ninguém se calaria completamente depois de aprender a falar, da mesma forma que não pararia minhas construções depois de desbravar este caminho.” E Zee, incansável, já prepara novos manuscritos, peças e roteiros, com planos de ampliar o público tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
“E, com certeza, não é a última colaboração entre nós duas.”
Um conselho para quem escreve
As autoras deixam uma mensagem que resume sua filosofia criativa:
“Melhor feito do que perfeito.
Não importa quão boa é uma ideia se ela jamais é comunicada – se preocupe em fazê-la existir primeiro e a aprimore depois, nunca se prendendo ao imaculado: trate tudo como oportunidade de crescimento.
E, se você tiver uma Zee Melo para sua Nat Sudan, e vice-versa, ainda melhor.”
✨ Rabiscos e Retalhos é publicado pela Editora Viseu e já está disponível nas principais livrarias do país.