“Fazemos arte porque precisamos”, declara autor Bruno Gurgel

Em seu primeiro livro, Bruno Gurgel transforma o rebuliço de tudo aquilo que guardou para si em poesia. “O que eu queria ter dito” explora desde questões sociais até experiências profundamente íntimas, tocando em temas como luto, amor, conectividade no mundo digital, morte e existência. Seu livro é um compilado de poesias escritas entre 2020 e 2024, um momento marcado pela pandemia de Covid-19. Atuando na linha de frente durante essa crise, foi a partir do caos e questionamentos trazidos pela época conturbada que o médico renasceu como poeta. “O que eu queria ter dito” é um convite à autorreflexão, uma leitura para entrar em contato com os próprios sentimentos e palavras não ditas. Através de versos impactantes, Gurgel incita seus leitores a fazer de seus poemas terapia. Nesta entrevista exclusiva, conheça um pouco mais sobre o processo criativo do autor, como sua experiência como médico impactou as poesias, suas principais referências criativas e muito mais. Fique com a gente e confira! 1. Como foi o início da sua carreira como escritor? Bruno Gurgel: Vamos ver. Está sendo. Ansioso para toda essa experiência. Sinto que terei muito aprendizado pela frente. 2. Como surgiu a ideia de publicar seu primeiro livro de poesias? Bruno Gurgel: Surgiu de um desespero. Estava completando o primeiro mês em Caruaru – PE na linha de frente como médico, bateu uma saudade aguda da minha parceira. Escrevi para ela a primeira poesia que guardei “Um sobre dois”. Me ajudou a dar fluxo ao que sentia naquele momento. Daí em diante, passei a escrever quase diariamente. Me ajudou a seguir em frente. 3. E como sua experiência atuando na área da saúde durante a pandemia aparece em sua escrita? Bruno Gurgel: Reflito sobre situações que vivi. Casos que me marcaram. Reflito muito sobre meu papel como médico. No livro, falo de situações que presenciei. Dores de pessoas que se foram, momentos em que tive dúvida, momentos em que não pude ajudar. Minha relação com a profissão é um tanto conflituosa, admito. É muito difícil equilibrar habilidades técnicas, o estudo das doenças, a promoção de um cuidado que vá além dessas questões biológicas e minha própria saúde ou processo de adoecimento. Já é um desafio habitual, acentuado enquanto trabalhamos nos cenários em que trabalhamos, situações que poderiam muito bem serem encontradas em períodos de guerra. Durante a pandemia, vivemos um período de agudização das dificuldades históricas que nosso sistema de saúde já possui. Mas, apesar de tantos absurdos presenciados, tenho muito orgulho de ter estado na linha de frente com as equipes de saúde na atenção primária, na emergência e na UTI. 4. Seu livro é dividido em 5 partes. Existe alguma linha narrativa dentro das poesias que guie essa estrutura? Bruno Gurgel: As poesias são de momentos diferentes. Ficará perceptível pela forma de escrever. Mas não optei por publicá-las em ordem cronológica. Dividi o livro por temas. Aí, sim, os temas seguem uma lógica. Começa com o conflito: a pandemia. A partir daí, vem a crise que se apresenta com questionamentos de cunho social no segundo capítulo. Em seguida, passam a ser questionamentos sobre a pessoa em si, como uma catarse. O quarto capítulo é o processo de resolução da crise através do amor e do afeto. Por fim, o clímax é resolvido com o nascimento do poeta. Essa foi minha história, reorganizei minhas poesias para que o livro tivesse esse fluxo. 5. Para você, a escrita é mais inspiração ou transpiração? Bruno Gurgel: Transpiração. Quanto mais me expresso, mais me ponho para fora. O processo começa, a inspiração vai, assim, se avolumando. 6. Como você lida com bloqueios criativos ou momentos de dúvida durante o processo de escrita? Bruno Gurgel: Neste livro, o processo de escrita veio por necessidade. Vinha em ondas e fluía bem. Tenho a impressão até de que a expressão de emoções negativas é algo mais fácil. Quando a angústia está lá, ali, ou aí, bem aí guardada tão bem guardada, é difícil desviar a atenção. Tive dificuldade em escrever sobre os momentos de emoções positivas. Admito, é treino. E é importante para a vida esse treino: estar plenamente presente nos momentos bons para poder vivenciá-los. 7. No seu livro, existem algumas poesias em inglês e também outras assinadas por Jheyza Florêncio. Poderia explicar mais sobre esses textos dissidentes? Bruno Gurgel: Jheyza Florêncio é minha parceira. Temos uma poesia que foi uma conversa nossa que adaptei. As poesias que ela escreveu e coloquei no livro foram traçadas por ela em duas viagens que fizemos. Conversávamos sobre os momentos que passávamos em nossas vidas. As poesias em inglês vieram de forma natural. Quando meus pais fizeram doutorado, fomos morar na Inglaterra. Daí a escrita em inglês e a referência a esse tempo em algumas poesias. Uma delas fala da saudade. Outra escrevi misturando inglês e português, a ideia é exatamente esse tempo na minha vida como parte formadora de quem sou hoje. 8. Para você, qual é o principal desafio que os autores enfrentam na atualidade para ter sucesso na carreira? Bruno Gurgel: Ser capaz de reter atenção de forma recorrente. É muito conteúdo produzido a todo instante e publicado em plataformas diferentes. Como ser notado diante de tantos outros? E se for notado, como ser notado de novo? Isso é um problema de veículos de comunicação. É tanta coisa ao mesmo tempo que as mensagens se perdem. No meio de tanto conteúdo digital, sinto falta das pessoas. Sinto falta das vulnerabilidades, dos lados complexos e escondidos. Sinto falta da pedra não polida. Então, acho que é importante produzir esse tipo de conteúdo: sincero, genuíno. Conectividade não é conexão, é importante ter este discernimento. 9. Como você interage com seus leitores online e offline? Bruno Gurgel: O poema sempre instiga o diálogo. Ora é porque tocou algo que estava guardado, ora é porque pegou no contrapé. Às vezes é para perguntar o significado. Essa conversa me deixa feliz. O cunho dos meus textos carregam um lado pessoal, uma vulnerabilidade. Fico feliz quando ressoa