Em uma fascinante jornada que une paixão pela escrita, sacrifícios familiares e dedicação à causa da justiça social, o autor angolano João Kaveto lança seu primeiro livro, “No Banco: Os valores de Ngunji à mesa dos Drongos”.
Nascido no município de Caconda, província da Huíla, e empresário de sucesso no setor de consultoria, ele compartilha conosco sua trajetória singular, desde os primeiros passos no mundo da leitura até a concretização de seu sonho literário.
Neste artigo, o autor nos conta sobre suas inspirações, desafios e a profunda conexão entre sua experiência pessoal e os temas abordados em sua obra. Acompanhe sua história e descubra como ele espera impactar os leitores com sua narrativa envolvente e rica em valores pessoais e sociais.
1. Para começar, poderia nos contar um pouco sobre você e sua jornada como autor?
Sou cidadão angolano, natural do município de Caconda, província da Huíla. Sou empresário e atuo igualmente no sector de serviços, concretamente na consultoria de planejamento, de gestão e financeira, e agora, por ser um sonho que sempre desejei realizar, passo, oficialmente, com o lançamento do meu primeiro livro “No Banco: Os valores de Ngunji à mesa dos Drongos”, a exercer atividade de escritor.
Minha jornada começou mediante três etapas:
(i) – Quando frequentava o 9º ano, minha mãe vendeu uma das suas saias para comprar um livro de Física I onde cheguei a ler coisas sobre o movimento dos corpos na terra e dos planetas. Por saber do sacrifício da minha mãe para oferecer-me aquele livro, passei a devorá-lo.
Apaixonava-me profundamente com o que lia, tornando-me desde aquele momento, numa pessoa altamente observadora. Observava tudo ao meu redor com a alma de um apaixonado pelos movimentos dos planetas; observava o que as pessoas diziam e faziam e meditava sobre as possíveis razões, escrevendo minha análise sobre tudo que cabia à minha imaginação;
(ii) – Em 2011, creio, li num dos jornais, a forma profissional e principalmente “romântica”, com que um renomado advogado da nossa praça, Dr. Sérgio Raimundo, defendia a necessidade de recorrer da condenação de 20 anos de prisão, dada a uma senhora que assassinara o marido. No entender do advogado, a redução da pena era necessária porque reduziria a fatura social sobre as consequências possíveis, pois, pela ausência, no país, de instituições de apoio psicológico à menores, a educação dos filhos, sem culpa, seria moldada pelas ruas, uma vez que, para além das dores causadas pela morte do pai, os menores ficariam privados da ausência e amor da mãe por muito tempo.
A justificativa apresentada, a forma brilhante da narrativa, moldou, desde aquela data, a forma com que eu escrevia, independentemente do assunto;
e (iii) – Pessoas próximas que liam algumas frases escritas por mim diziam que elas tinham alma, e isso fez-me dar início à um processo programático de leitura sem limites, fazendo com que em 2016 fizesse para mim mesmo a promessa de escrever e sonhar, cada vez mais, em lançar o meu primeiro livro, momento que, felizmente, chegou quando apresentei o meu manuscrito, no ano passado, à editora Viseu, que depois da sua aprovação, deu-se início ao processo de edição resultando em “No Banco: Os valores de Ngunji à mesa dos Drongos”.
2. O que o inspirou a escrever o livro?
A realidade comportamental dos agentes económicos e dos agentes sociopolíticos, face aos princípios de justiça social, do amor ao próximo, de valores pessoais, constituíram as principais fontes de inspiração para escrever este livro.
3. Como a sua experiência pessoal se reflete nos temas abordados no livro?
Na minha profissão de empresário e de consultor, fui e sou obrigado a relacionar-me com pessoas singulares e coletivas, pessoas sonhadoras de vários sectores. Face ao contexto social, económico e político do meu país, venho sendo testemunha das dificuldades, dos constrangimentos, das tristezas e alegrias, dos fracassos e sucessos, partilhados por estes e por mim.
Neste sentido, como consequência, a minha experiência pessoal também se reflete nos temas abordados em “No Banco”. Tendo em conta que banco pode significar uma instituição financeira, um assento, e, se traduzido à minha língua materna, Banco, que significa “OMANGU”, que pode expressar “PODER”, o “exercício do Poder”.
Dessa forma, apresento numa narrativa comum à essas definições, discorrendo da implicância das instituições políticas, económicas e sociais para o desenvolvimento do tecido empresarial e familiar no país do Ngunji – personagem principal, e na forma como a crença aos valores pessoais condiciona, em certa medida, a realização de sonhos, em face ao perfil de instituições, cujas atividades são influenciadas pelo monstro Ombipo (metáfora criada por mim para descrever o sentimento que se apodera das pessoas antes e durante a prática de atos de inveja e corrupção, tornando-as transigentes à maldade e à prática de ações antiéticas quando estiverem na posição de representantes de instituições públicas).
4. Pode nos contar um pouco sobre o processo criativo por trás deste livro?
Meu processo criativo é bastante dinâmico. Começa tomando nota dos factos comuns que observo nos principais atores de determinada realidade socioeconómica, política e de fenómenos naturais.
Depois das notas tomadas em papel, medito sobre elas durante dias, fazendo com que a minha mente, automaticamente, passa a cogitar hipóteses e conclusões, que são passadas novamente em papel ou numa gravação por telemóvel, para dias depois ouvi-las repetidas vezes.
Este processo é amiudado sempre que observo a mesma realidade, ou semelhança, num outro lugar. Foi por esse método que levei perto de 10 anos para terminar o “No Banco”.
5. Quais foram suas principais referências criativas para escrever o livro?
Gostaria antes de situar os prezados leitores, que No Banco: Os Valores de Ngunji à mesa dos Drongos”, é um romance concebido inicialmente para um livro técnico, “Como Encarar os Desafios do Empreendedorismo em Angola”, porém alterado, devido as vantagens de agregar experiência envolventes nos leitores ao ser transformado como romance.
Assim sendo, minhas principais referências para escrever este livro foram relatórios técnico-sociais e económicos feitos por terceiros e pesquisas próprias sobre as etapas de realização do sonho das famílias, dos empresários, face à atitude das instituições políticas, sociais e económicas, e seus impactos no desenvolvimento como um todo.
6. Existe algum trecho do livro que você gostaria de citar?
Sim: … cito o trecho encontrado na Parte II: A Luz, o Pesadelo e a Promessa:
“Quando seus filhos se atreviam a questionar o porquê de tal comportamento, a resposta de Don Jota era sempre dada de forma muito estranha: “Concebam teoricamente os vossos planos como o pai faz, mas materialize-os com os princípios defendidos pela vossa mãe. Meus filhos, para lidar com comunistas é preciso ser astuto, ambíguo, chato, fingido, adulante, caso contrário, você será para sempre um servente instrumentalizado. Um dia, vocês entenderão, meus filhos” — recomendava Don Jota.
Ngunji observava sempre as razões por trás dos choros ocultos da sua mãe, causados em grande medida pelo comportamento do pai, que, apesar de merecer a sua confiança, era um completo martírio ter de encarar quase sempre a realidade sem poder agir…”
7. Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao escrever o livro?
Como disse antes, “No Banco” é um livro resultante de um estudo técnico transformado em romance.
O principal desafio foi adaptar a narrativa dos personagens por formas a corresponder às conclusões saídas do estudo técnico realizado por mim. Por incorporar experiências de vários atores, foram necessárias pesquisas que levaram mais de 15 anos.
8. Como você espera que seu livro impacte os leitores?
Que o livro ajude os leitores a ativarem gatilhos mentais que lhes permitam valorizar a existência decisões que parecem simples, porém, afetam a vida de pessoas ao nosso redor, por isso, nossas ações, por mais simples que sejam, devem concorrer para pintar um toque de alegria capaz de influenciar à realização dos sonhos justos de outrem; que se perceba que os sonhos justos são sempre realizados.
A existência de um sonho não realizado pode esconder a necessidade da redefinição da missão deste mesmo sonho e não servir de fator de desistência. Quando assim procedermos, a sua realização, independentemente da sua magnitude, das adversidades, será um facto. Para tal, estar apaixonado pela vida é a condição fundamental para o surgimento de insights capazes de brotar em nós o sorriso mais útil no processo de florescimento da vida humana como um todo.
9. Existe uma mensagem principal que você deseja transmitir?
Sim: No final de qualquer processo, projecto ou missão, jogo político, económico ou social, não é a felicidade que devemos mirar, é a paz interior que mais deve importar, pois, quando esta paz interior é exportada, o mundo mover-se-á para um patamar melhor.
10. Há algum personagem ou história no livro que você considere particularmente significativo?
Sim. Dona Limbu, por tentar representar o “símbolo” do papel que todas as mulheres africanas e não só, desempenham como fonte de vida, como equilíbrio familiar, educadoras primárias dos filhos.
Elas não são apenas o centro do mundo, das soluções para os pequenos e grandes problemas que atingem o tecido familiar, político, socioeconômico das nações, elas são o universo como um todo.
11. Como você acredita que a Literatura pode contribuir para a vida dos leitores?
Comparo a literatura ao papel que um “Mais Velho” representa na cultura africana: o imbondeiro da aldeia, que para além de ser a sala de aulas, a sala de reuniões, ou o palácio de justiça, representa igualmente os temas que constantemente são debatidos para harmonia social, para justiça social, para fundamentação e aplicação os princípios éticos e morais, para crescimento sustentável da econômica, para a repartição justa da riqueza, para a gestão política das sociedades e para a ecológica, em cada época de um povo.
12. Além da literatura, quais são suas fontes de inspiração para escrever?
Para além da literatura, o comportamento humano perante adversidades como um todo, o ambiente corporativo, a natureza, o movimento planetário, constituem as minhas fontes de inspiração.
13. O que a literatura e a escrita significam para você?
Para mim, a literatura e a escrita significam vida e todas as suas formas de manifestações no universo, pois, acredito que não há vida animada nem inanimada sem literatura e escrita.
14. Quais são seus planos futuros como escritor? Há novos projetos em desenvolvimento?
Continuar a escrever até os últimos dias da minha vida. Neste momento tenho praticamente à fase de edição mais dois livros: “Análise Estratégica de Projetos Agroindustriais em Angola” e “A Empresa do Meu Avô”, que espero publicar a partir de 2025.
15. Que conselho você daria para alguém que está começando a escrever seu primeiro livro?
Não existe momento melhor para escrever, basta estar vivo. Nossas experiências diárias, as pessoas com as quais nos relacionámos, as coisas que observamos, são fontes de inspiração.
Nunca haverá o momento perfeito para escrever, o momento chega quando pegamos numa lapiseira, num papel, e escrevemos mesmo sem lógica, o que a nossa mente nos traz a pensar. Então, escreva, agora, existirá sempre alguém que vai achar lindo, se rever e inspirar nos textos simples que passares a escrever.